Histórico Cia.

Cia. Mungunzá de Teatro 



Trabalhos
_ Poema em Queda-Live  
(2020, narrativa digital em 3 episódio)
_ Epidemia Prata  
(2008, espetáculo adulto)

_ Teatro de Contêiner Mungunzá
(2017, espaço cultural e social)
_ Poema Suspenso para uma cidade em queda 
(2015, espetáculo adulto)
_ Era uma Era 
(2015, espetáculo infantojuvenil)
_ Luis Antonio - Gabriela 
(2011, espetáculo adulto)
_ Por que a criança cozinha na polenta? 
(2008, espetáculo adulto)



Diário de bordo 


POR QUE A CRIANÇA COZINHA NA POLENTA?


Em 2008, com “Por que a criança cozinha na polenta” inauguramos uma pesquisa junto ao diretor Nelson Baskerville. Nelson já trazia consigo uma longa trajetória de pesquisa e atuação dentro do teatro “pós-dramático” e foi um pilar fundamental para a nossa aproximação e interesse por essa linguagem. Com ele pesquisamos formas distintas de contar uma história por meio de muitas possibilidades narrativas: vídeo, foto, música, dança, performance, o ato de cozinhar em cena, enfim, uma pesquisa que já trazia no bojo uma aproximação entre artista e plateia que não se desse apenas pela história nem pelo pensamento que esta gerasse, mas pela comunicação sinestésica que o espetáculo provocava em virtude de todo o aparato cênico.



CIRCULANDO / TRABALHO TEATRO


Esse trabalho nos abriu muitas portas. Com ele nos familiarizamos com uma linguagem e uma nova maneira de pensar o trabalho do ator e a função do teatro no panorama contemporâneo. O Espetáculo realizou 5 temporadas na cidade de São Paulo e circulou por dois anos no Brasil, percorrendo diversos festivais e angariando 35 prêmios. Montar e desmontar a mesma história, de palco em palco, de cidade em cidade, fazendo da mesma história a cada hora uma história diferente fazia com que nos apropriássemos cada vez mais de um fazer teatral horizontal onde, na ausência da figura do produtor, experimentamos todas as funções que envolviam uma apresentação teatral. Desde dirigir o caminhão com cenário até entrar em cena. 



LUIS ANTONIO-GABRIELA


Nelson nos trouxe a história de seu/sua irmão/irmã e de sua família e todos compramos a ideia de levá-la ao palco. Aprofundamos a pesquisa nesse teatro que recebia o nome de "documentário cênico" e nasceu o espetáculo “Luis Antonio-Gabriela”. A história da Gabriela, do Nelson e desse contexto familiar, revirou e mobilizou diversos tipos de público, cada um a seu modo. Contando com uma direção que aguçava as idiossincrasias de cada personagem e, suprimindo o julgamento no ato de contar essa história, acabamos por trazer ao palco pessoas reais, que não são boas ou más, formando seu papel perante a vida. E nisso o público se identificou numa comoção que nos surpreendeu e nos ensinou algo: tentando distanciar, aproximamos. Tentando trazer a reflexão sobre uma questão social, trouxemos uma comoção perante uma história de vida. Em termos intencionais sabíamos que a linguagem épica promovia a reflexão e posicionava criticamente o espectador. E foi bonito ver esse espectador, mais do que posicionado politicamente frente a causa da diversidade sexual, posicionado também enquanto ser humano perante a própria história. Desta forma começamos a conceber nossas obras mais de forma a “proporcionar uma experiência” do que propriamente apresentar um espetáculo. E nisso se abriu um novo panorama processual dentro da companhia. O espetáculo realizou 7 temporadas na cidade de São Paulo, 1 temporada no Rio de Janeiro e circulou por dois anos pelo Brasil, e fora dele, acumulando durante esse período mais de 400 apresentações. “Gabriela” angariou 5 importantes prêmios teatrais. 



MAIS CIRCULAÇÃO

(SESC Palco Giratório + Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz + Circuito Cultural Paulista)


No ano de 2013, o espetáculo Luis Antonio-Gabriela acumulou 3 possibilidades conjuntas de circulação. Rodamos o sertão de Pernambuco, Bahia e Paraíba. Fomos ao Ceará, Rio Grande do Norte, Tocantins, Rondônia, Mato Grosso, Goiás, Brasília, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Foi uma experiência incrível que, ao final, nos alavancou a outro estado de presença artística dentro da concepção da Cia. A experiência era rodar com o espetáculo, dar oficinas, fazer intercâmbio com outras companhias e participar de conversas e debates. Conhecemos muitos grupos com formas distintas de gerir e pensar o fazer teatral e artístico. Tivemos a oportunidade de percorrer os mais diversos tipos de público e os hábitos dos espectadores de cada cidade. Conhecemos os mais variados equipamentos culturais. Observamos muitos teatros grandes, com equipamento de luz incrível, mas sem lugar para descarregar cenário, por exemplo. Outros teatros ficavam embaixo da quadra de futebol, outros eram lugares mais simples e, no entanto, bastante funcionais. Nos atentamos não apenas a equipamentos físicos, mas a forma como cada equipamento nos recebia em cada cidade, bem como a forma como eram geridos. Essa experiência de ordem técnica e de percepção de gestão foi fundamental para, 4 anos depois, projetarmos, construirmos e gerirmos o Teatro de Contêiner Mungunzá. Ainda nessa grande experiência de circulação, tivemos a oportunidade de conduzirmos muitas oficinas com grupos de jovens e foi fundamental para estruturarmos o processo metodológico com a qual a Cia. trabalha e concebe suas soluções cênicas, dramatúrgicas, técnicas, bem como todo o processo criativo. Conduzir essas oficinas fez um grande sentido para nós e começamos a estruturar planos de criar um processo formativo futuro com grupos de jovens que se interessassem por este tipo de processo: colaborativo, sinestésico, híbrido e performático. 



POEMA SUSPENSO PARA UMA CIDADE EM QUEDA & ERA UMA ERA


Circular nos trouxe uma maturidade e uma maior compreensão acerca dos processos coletivos e nos trouxe um novo modo de pensar e fazer arte. Lidamos com muitas pessoas ao longo dessas viagens, muitos artistas, muitos processos, muito compartilhar de sonhos. Nossas pesquisas artísticas em meio a tudo isso foram crescendo e se tornando parte de uma pesquisa que caminha paralela ao espetáculo, mas que é focada nas relações que permeiam o entorno do espetáculo. Começamos a conceber o próprio processo como obra final. Então começou a nascer dois novos espetáculos: "Poema suspenso para uma cidade em queda" e “Era uma Era” . Colher pedaços da história de cada artista, não para fazer um novo documentário cênico, mas um relicário visual, plástico, como se devêssemos algo à nossa própria história enquanto cidadãos. Relicários de intersecção entre pessoas, entre situações, entre histórias, entre tempos, entre espaços, entre geografias distintas. Não se trata apenas de momentos pessoais, mas que esses momentos pessoais que pescamos em nossas histórias particulares, nos ajudem a abrir uma fenda para aquilo que é universal. Através do buraco da fechadura da minha história eu posso ler a história de milhares de pessoas e todas podem se ler na minha. Com esse material nas mãos decidimos escrever para a 24ª edição do "Programa municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo". E fomos contemplados. 



NOSSO PRIMEIRO FOMENTO


"Poema suspenso..." e "Era uma Era" foram 15 meses de processo. Em 15 meses levantamos 2 espetáculos partindo do zero. Iniciamos os ensaios na ocupação cultural Casa Amarela, continuamos o processo na Casa das Caldeiras, alugamos um Galpão para intensificar os ensaios, compramos 20 metros de andaime, tivemos que cursar e aprender sobre NR35 (Norma Regulamentadora nº 35 - Trabalho em altura) para continuarmos os trabalhos, levamos o processo a cinco CEUs (Centros Educacionais Unificados) através de oficinas para crianças, jovens, adultos e pessoas da terceira idade, retornamos ao Galpão munidos da experiência nos CEUs, finalizamos as duas dramaturgias, e estreamos os dois espetáculos circulando pelos 5 CEUs que acolheram nossas oficinas. Fizemos 30 apresentações em 29 dias, retornamos novamente ao Galpão, fizemos 10 ensaios abertos, uma temporada do espetáculo adulto (Poema suspenso…) no SESC Santo Amaro e reestreamos depois os dois espetáculos juntos no Teatro Popular João Caetano, numa temporada gratuita com 4 apresentações acessíveis à deficientes visuais e auditivos, que – diga-se de passagem – foi uma experiência incrível para nós e nos inspirou uma nova forma de trabalhar num próximo projeto. Vendo assim, parece muita coisa e realmente foi. Mas tudo veio num tempo em que foi possível ir amadurecendo certos conceitos e, principalmente, a nossa forma de lidar com a estrutura de organização da própria Companhia. A começar pela “loucura” de erguer dois espetáculos, praticamente do zero, ao mesmo tempo. E, um deles (Era um Era), para uma faixa etária que nunca havíamos trabalhado. Em menos de um ano de suas estreias, os espetáculos já realizaram, juntos, aproximadamente 150 apresentações, circulando por diversas cidades do Estado de São Paulo e realizando 4 temporadas, sendo três na capital paulista e uma em Santo André. Depois de toda essa "ode ao movimento”, os espetáculos “Poema suspenso para uma cidade em queda” e “Era uma Era” nos trouxeram a necessidade de um andaime. E o andaime nos trouxe a necessidade de um espaço próprio para guardá-lo. O Galpão Mungunzá.



GALPÃO MUNGUNZÁ


O Galpão surgiu em nossas vidas num momento onde procurávamos um espaço para ensaiar os dois espetáculos contemplados pelo nosso primeiro Fomento (24ª edição). Precisávamos de um espaço onde pudéssemos espalhar nossas coisas e nos instalar com toda a parafernália característica da companhia. Assim, locamos um galpão no Bom Retiro, localizado ao lado "Complexo Prates", lugar que reúne ações de Saúde Pública e Assistência Social no tratamento e recuperação de dependentes químicos em situação de rua e vulnerabilidade social na região central da cidade. Durante o processo dos ensaios o entorno foi se apresentando a nós na figura das pessoas que ali batiam. A começar pelas crianças que moravam na mesma rua e que compareciam toda terça-feira à noite para assistir aos ensaios do espetáculo infantojuvenil (Era uma Era). Acabaram por se apropriar de tal forma deste espaço, que se sentiam – era visível – numa espécie de segunda casa. Começamos a pensar numa forma de realmente dar continuidade a alguns trabalhos ali, mesmo quando encerrássemos os ensaios. Decidimos renovar o aluguel por mais um ano e começamos a manter o espaço com foco numa pesquisa artística também do campo da arte relacional. Estabelecemos uma extensão do “espaço cultural” para fora de seu espaço físico. O objetivo do espaço passou a ser, não uma sede de uma Cia, mas expandir a noção de arte, de movimento cultural, de apropriação do espaço, de identificação com o espaço. De forma que esta apropriação abarcasse não apenas os artistas interessados em movimentar culturalmente o espaço, e sim todos os moradores: da rua, do bairro, dos albergues e das instituições. Percebemos então que, na verdade, não tínhamos propriamente uma sede para criar espetáculos, e nem queríamos isso. Queríamos permanecer no espaço enquanto obra de arte. Uma obra de arte aberta. E esse foi o primeiro insight para a nossa pesquisa de terrenos públicos ociosos que culminaria no Teatro de Contêiner Mungunzá



O TEATRO DE CONTÊINER MUNGUNZÁ 


O Teatro de Contêiner surgiu num momento em que nos demos conta de quantos terrenos públicos ociosos existem na cidade, ao passo em que muitas companhias de teatro pagam um valor do qual não dispõe em locação de espaços para fazerem suas atividades que, na maioria das vezes, tem contrapartidas sociais. Ocupar um terreno público com um "equipamento" privado tem em si uma dialética. O espaço é de e para todos, mas existe um grupo gerindo essa programação e o pensamento das necessidades do território. Pensamos que teríamos uma sede e nós demos conta de que criamos um polo cultural. Simplesmente porque o território pede mais. Pede mediação de relações, de conflitos, pede uma programação livre, gratuita, com acesso democratizado. O território em que nos localizamos (rua dos Gusmões, 43, Santa Ifigênia - São Paulo/SP), próximo à zona de uso e venda de drogas chamada Cracolândia, pede respiro e ressignificação das relações. Pede mudança de paradigmas. Desde então nosso fazer teatral deu lugar a um fazer artístico/relacional. O processo como obra instaurou-se ali. As relações como obra aberta. Nesse território nada pode ser fechado, protegido, apartado. Os espetáculos vão ser invadidos pelo som e pelo cenário das ruas (as paredes do teatro são de vidro). Os ensaios serão interrompidos por brigas ali na calçada, ou pela criançada jogando bola ali na quadra. Ocupar esse espaço, nessas condições, acabou, sem dúvida, culminando na temática do nosso último espetáculo: Epidemia Prata



EPIDEMIA PRATA


Mergulhados no universo do Teatro de Contêiner, afetados por todas as reverberações da Cracolândia, foi impossível não se contaminar com as histórias que ouvimos e presenciamos dos moradores de rua e dependentes químicos do entorno. Estar ali, dentro de um “aquário artístico", amalgamado à uma região desassistida pelo poder público e ao mesmo tempo, na mira da especulação imobiliária, foi decisivo para muitas escolhas artísticas, políticas, éticas e estéticas. Foi envolto de todo esse material que entramos na sala de ensaio para fazer emergir o quinto espetáculo da Cia Mungunzá: "Epidemia Prata", espetáculo que pode ser considerado como uma etnografia cênica da vulnerabilidade da região central de São Paulo. O trabalho estreou em 23 de maio 2018 e já cumpriu três temporadas no coração da cidade: uma no SESC 24 de Maio e duas no Teatro de Contêiner, gratuita.


Texto em constante desenvolvimento

(revisitado pela última vez em 18/03/21) 


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